Gândara é uma palavra que na toponímia portuguesa se aplica a « qualquer porção de terreno arenoso, inculto e geralmente plano ou pouco relevado ».

A região gandaresa estende-se no sentido norte-sul desde as Gafanhas da ria de Aveiro até aos campos do Baixo Mondego; a nascente confina com as terras da Bairrada e a poente com as dunas do litoral.

A Casa Gandaresa

 

A Casa Gandaresa, também conhecida como casa-pátio e sendo ainda vulgarizada como casa agrícola, é típica da nossa região encontrando remota filiação na casa árabe ou mourisca.
Hoje em dia já não se constrói devido ao desuso dos materiais de construção, mas também devido a alterações profundas no modo de vida das populações da nossa região, já que a Casa Gandaresa é uma casa que apenas se adequa às necessidades rurais. Contudo elas continuam a existir, mas pertencendo a um passado anterior à emigração.
A Casa Gandaresa é uma construção de rés-do-chão, o material empregue é o adobe, feito por areão grosso com cal viva, que colocado em moldes rectangulares ficavam a secar ao sol durante alguns dias.
A Casa Gandaresa define-se como sendo uma casa de pátio fechado. Na fachada, salienta-se : a porta de entrada para a sala, ladeada simetricamente de duas janelas (uma para a iluminação da mesma sala e outra para iluminação da chamada meia-sala; o portão de duas folhas, com aldraba de acesso ao pátio. De notar que o portão era muito alto para permitir a passagem das carroças carregadas com a palha, agulhas, madeira, enfim, o que se necessitava para casa. Ao lado do portão podia ainda haver uma pequena janela que iluminava a adega.
A Casa Gandaresa está perfeitamente adaptada ao seu mundo rural de intensa actividade agrícola. Nela há espaço não só para a família que a habita (a moradia propriamente dita, com ou sem um alpendre), mas também, em local apropriado, para currais, cortelhas e galinheiros para os animais domésticos essenciais; espaço ainda para as diversas alfaias agrícolas e pastos para alimentação dos vivos (o pátio e os telheiros). O pátio coberto, em frente ao grande portão de entrada, era forrado com tábuas sobre traves de madeira, na parte superior, servindo assim de celeiro e de local ideal para as andorinhas fazerem os seus ninhos.
A sua construção era económica porque as principais matérias primas existiam nos terrenos da maioria dos proprietários : areias ou barros para os adobes e argamassas e pinheiros para cumes, terças, burras, barrotes, ripas, portas, janelas, soalhos, tectos, mobílias e mesmo alfaias agrícolas.
Além disso, o seu baixo custo ficava também a dever-se ao tradicional grande espírito de solidariedade e de entreajuda comunitária, pelo qual a mão de obra era gratuita até a casa estar telhada. O povo bem compreendia a máxima de que “quem casa quer casa”. Esta era, normalmente, construída à beira de uma estrada ou caminho principal, com telheiros, currais e pátio fechado por muros, dando-lhe a privacidade e a segurança indispensáveis à vida familiar.

INTERIOR :

A sala do Senhor, o compartimento mais nobre da casa, era plurifuncional. Servia de sala de banquete nas pequenas festas familiares; de sala de receber o Senhor, na visita pascal; de local para a realização das rasgadelas de trapos; de última despedida para os membros falecidos da família. A sua mobília era sóbria: uma cómoda, com o crucifixo ou oratório e o relógio de sala, algumas cadeiras, e alguns quadros religiosos dependurados nas paredes.
Ao lado desta, com uma porta de acesso, com ou sem bandeira, ficava a meia-sala que, normalmente, desempenhava a função de quarto especial para doenças e partos ou visitas. A sua mobília podia ser uma cama de ferro, uma mesa de cabeceira, uma cadeira, um roupeiro ou guarda-fatos, cabides e, em alguns casos, um lavatório com bacia, jarro e balde de esmalte, numa estrutura de ferro forjado. Em princípio ambos os compartimentos tinham soalho e artísticos tectos em madeira de pinho, assentes, respectivamente, sobre e sob traves da mesma madeira. No caso do soalho, as traves eram ligeiramente levantados do chão, existindo buracos nas paredes para permitir a circulação do ar e a circulação dos gatos na sua actividade de caça ratos. No caso do tecto, as traves poderiam ainda ter tábuas por cima, permitindo o seu aproveitamento como sótão para arrumações.
Ainda ocupando parte da fachada da casa, estava o celeiro ou casa de arrumação, que poderia ter um aproveitamento na parte superior, por baixo do telhado, Neste caso, havia uma escada de acesso, em madeira.
Em linha perpendicular à fachada, atrás da sala e da meia-sala situavam-se, frente a frente, dois quartos, separados por um corredor que dava acesso à porta interior da sala e à porta interior da cozinha. A mobília destes quartos era muito pobre, sendo a principal uma cama, com um colchão ou enxergão de palha, feito em casa, ou simples esteiras sobre agulhas ou palha de centeio.Dos cabides ou simples cavilhas de ferro espetadas na parede pendia o essencial da roupa usual: o gabão, o xaile, o chapéu, etc.
A cozinha ou cozinhas; era frequente a existência de duas cozinhas, na cozinha mais tosca ou cozinha de forno cozinhava-se as refeições, normalmente era nessa cozinha onde estavam as pessoas da casa e quando vinha gente de fora passava-se sempre para a cozinha melhor, que estava sempre mais arrumada. A cozinha era o grande espaço de permanência e convívio familiar, fora das horas de trabalho, durante as refeições ou os serões à noite. A ela se tinha acesso, pelo lado do pátio, por uma porta de gonzos, com tramela, no exterior, e ferrolho de pau por dentro, uma gateira para entrada e saída dos gatos. Ao lado da porta, havia uma pequena janela de iluminação.
O seu mobiliário era a pedra cantareira onde se poisava a cântara da água; um largo armário ou guarda- loiças que ia até à pilheira sob a chaminé, sendo mais alto no canto oposto a esta. A partir do armário alto, ligava-se com a chaminé por uma cantareira ou prateleira que acabava por cincundar a chaminé, onde se colocavam as louças e outros trastes. As mais usuais eram as seguintes: alguidares e malgas vareiras, alguidares de barro vermelho por vidrar, tijalas,,bacias,,pratos,,canecas,,cântaros…
O borralho ou lareira, ligeiramente elevado em relação ao soalho da cozinha ou chão de terra batida, era encimado por larga chaminé sustentada por traves de madeira apoiadas nas paredes e no peão ( pé de suporte constituído por uma coluna de madeira colocada verticalmente, para suportar o peso da parede da chaminé ) e que servia ainda para o candelabro, o chaveiro, o suporte de cebolas, alhos, panos, etc.. Sob a chaminé, de cada lado do borralho, havia as pilheiras, bancos toscos compridos onde os elementos da família se sentavam para se aquecerem, conversarem, rezarem, etc.. Lateralmente às pilheiras, ficava a parede do fundo do borralho onde se destacava a boca do forno de cozer a boroa. A um dos cantos do borralho, havia, antigamente, o cambeirode madeira, espécie de guindaste, formado por uma trave vertical, com diversos ranhuras na parte inferior, giratória, ligada a outra horizontal quando em serviço, da qual pendia um ferro com forma arredondada na parte inferior, para suporte dos arcos das panelas, marmitas e das caldeiras de cobre. Uma terceira trave era fixada com uma dobradiça à trave horizontal e, quando em serviço, fazia mais ou menos uma diagonal com as duas anteriores, afastando ou aproximando as panelas do fogo, conforme a ranhura em que se encaixava e a rotação que se dava ao cambeiro. O mesmo efeito se conseguia mediante a utilização de três ganchos de comprimento diferente cravados na parte inferior do cambeiro. Quando fora de serviço, rodava completamente até encostar à parede. Era um interessante e original processo de suspender as panelas, marmitas e caldeiras, substituindo as trempes actuais ou as panelas já com pés.
Na década de cinquenta, as casas de banho eram um pequeno cubículo chamado retrete, onde havia um estrado de madeira elevado à altura de uma cadeira, normalmente, com dois buracos arredondados, com tampas que se retiravam na altura do uso. Isto permitia já a posição mais cómoda de se aliviar sentado e de evitar percalços indesejados e indesejáveis nos pés, pois que o gandarês, dada a maciez das areias que pisava, passava a sua vida quase toda descalço. Assim ia para as terras, para a Igreja, para as feiras, à vila e comarca, para a escola, assim jogava futebol… Quando muito, nas manhãs de Inverno mais rigoroso, punha uns tamancos ou calçava umas chancas. Os sapatos, nas deslocações que os exigiam, iam às costas até as exigências sociais não o permitirem de todo. Anteriormente àquela data, aliviava-se de cócoras nos simples abaixadouros ou covas ao ar livre, em sítio prederterminado, normalmente, sob uma figueira, a única árvore quase sempre existente no pátio da habitação. Papel higiénico ainda não se sonhava; a sua substituição dependia do que cada um encontrasse disponível, no momento, sendo já um qualquer pedaço de papel pardo de embrulho uma grande sorte.

CONCLUSÃO :
A construção em adobe, de tradição ancestral, produziu em si, em termos sociológicos, uma contradição aparentemente insanável. Se os nossos antepassados apreciavam a construção em terra pelo seu carácter confortável e quente, maternal e protector, puro e consonante com a terra a que se sentiam ligados, mais recentemente, as gentes, sobretudo as mais desprotegidas, sentem-se nela presas e envergonhadas, como num arcaismo que se lhes afigura obstáculo às aspirações sociais de consumo, ostentação e afirmação, em subserviência às imagens materiais do progresso moderno.
Passou-se então à destruição pura e simples das casas gandaresas e sua substituição por tipologias estrangeiras ou de proveniência duvidosa, em que escandaliza a absoluta transgressão da escala e uma enorme confusão tipológica. O esquecimento total da tradição acarretou o consequente adulteramento da paisagem povoada.
Um olhar mais atento para com este fascinante modo de habitar revela-nos um tesouro que se vai desvendando, mas que se sabe fugaz, pois, qual espécie em vias de extinção, dentro de anos não restará de pé um único exemplar, redundando em perda de memória e dum património colectivo que, pese embora a sua despojada aparência, guarda uma enorme riqueza que se vai dissipando.
Esperamos pois que, através dum empenhamento colectivo e convergente, se possam vir a preservar pelo menos os exemplares mais significativos dessa arquitectura tão serena, que transporta em si uma beleza intensamente discreta, e que, tal como a vida, é efémera e ternamente frágil.
É pena que esta forma de habitar inteligente, ecológica e serena possa vir a desaparecer sem deixar rasto …

 

Engenho gandarês

Com o chegar das novas tecnologias, principalmente a invenção do motor de rega, foi desaparecendo na paisagem da nossa aldeia a NORA.
A nora chegou a Portugal com os mouros (árabes) à séculos atrás e permitia de retirar a água do poço com a ajuda dum burro, mula ou boi aos quais se enfiava um saco na cabeça ou pano nos olhos para evitar que ficassem tontos devido ao movimento circular.
Este tipo de poços é tradicional na nossa região. Eles eram usados no passado para extrair água do solo, para irrigar os campos agrícolas circundantes. A água era extraída usando um « Engenho » (espécie de Nora aperfeiçoada), uma grande máquina de ferro, que utilizava a força motriz de animais, os quais andavam em círculos em redor do poço. A força motriz dos animais era transmitida ao “Engenho”, no seu topo central, através de um poste de madeira, preso aos animais por cangas, colares e cordas. A água era extraída por uma corrente com vários baldes metálicos (« os alcatruzes »). Algumas partes da estrutura de ferro do antigo « Engenho » podem ainda ser vistas.
Hoje em dia, alguns destes poços de água ainda são utilizados para irrigar os campos agrícolas circundantes. Contudo, os « Engenhos » deixaram de ser usados há já várias décadas. Eles foram substituídos por modernas bombas de extração de água, movidas por motores eléctricos ou motores de combustão interna. Convém salientar que na época em que os « Engenhos » eram usados, não existiam árvores de fruto em redor dos poços (como é o caso das figueiras visíveis neste caso), as quais foram plantadas depois de eles terem deixado de ser utilizados. Caso as árvores existissem nessa altura, tornariam impossível a utilização do « Engenho ».